Testemunha ocular
Dezembro 20, 2023
Carlos Palmito
Por estas escadarias já passaram centuriões, coelhos a sair das cartolas dos mágicos; correram crianças e fizeram-se palestras.
Nelas namoraram futuros divorciados banhados por luares primaveris, desentenderam-se amigos do passado em verões escaldantes, escorreram águas em direção aos bueiros, as folhas das árvores secaram, tombaram, enquanto os fontanários saciaram a sede da terra.
Aqui sentaram-se gatos a apanhar os últimos raios de sol do outono; correram ratos, muitos ratos.
Lembram-se do dia em que onze estudantes foram assassinados neste mesmo local? Esconderam-nos na fonte. Nevou nesse ano. Parece que foi ontem, contudo, já passaram inúmeros invernos.
Por estas escadarias existiu abandono e lixo, solidão e vertigem, e, depois, nasceu o sol.
Ali, encostado à parede caiada de branco, fumei o meu primeiro cigarro. Foi dali que assisti a um espetáculo de marionetas.
Na outra tarde o presidente discursou da altivez do décimo segundo degrau para um pátio vazio? Recordam-se?
Quinta-feira à noite fizeram aqui uma festa popular; assaram-se sardinhas e pimentos, os petizes correram livres e felizes, enquanto os pais beberam vinho e cantaram em coro com a banda local.
É, estas escadarias são um local de histórias, de memórias. Umas boas, outras más.
Hoje, estão nelas homens e mulheres cujas rugas falam quase tanto quanto as escadarias, onde as anamnesias são guardadas numa máquina fotográfica e armazenadas saudosamente no coração.
Esta crónica nasceu do desafio lançado por uma amiga, em que teria que escrever uma crónica com base na imagem.
A foto não é da minha autoria.