Rompendo barreiras
Outubro 25, 2024
Carlos Palmito
— Imagina só, meu.
— O quê?
— Usa a cabeça, imagina. Uma pista de dança no meio do mato, várias mesas de som a transmitirem na surdina do Bluetooth e o pessoal com headphones na cabeça.
— Mas isso já existe, não me estás a dizer nada de novo.
— Agora, cada mesa de som com o seu estilo específico, milhares de batidas diferentes, onde as pessoas dançam os seus ritmos preferidos, nuas, na natureza, em comunhão.
— Não estás a falar a sério, pois não? Isso já parece um culto.
— Que se foda pá. Imagina… nu, descalço… a dançares o teu ritmo, com alguém a dançar um ritmo completamente diferente… sem saberes qual é, sem precisares sequer de saber. Basta estares lá… estarem lá.
— Wow!
— Agora… mete uma chuva miudinha a cair nas peles suadas… mete um rio ao fundo e um casal a fumar uma ganza…
— Drogas? Estás a ir longe demais.
— Que longe que nada, caralho… deixa-te embriagar, deixa-te levar. Sabes que… precisas disso. Todos precisam.
— Precisam nada. Temos que ter os pés assentes na terra, isso são utopias de hippies.
— Os pés assentes na terra… para quê? Para te continuarem a foder?
— Para não ser preso.
— E isso faz-te feliz?... Esta merda faz-te feliz? Não estamos presos? Todos nós?... Aprisionados num sistema falacioso. Cíclico… estão-se nas tintas para ti. Todos eles. Todos os engravatados. És apenas uma nódoa incomodativa numa camisa.
— Não é bem assim.
— Não? Juras que não?
— Não… não sei… não tenho a certeza. Não me baralhes.
— Levantar às cinco, apanhar um metro apinhado de gente… para ir trabalhar num escritório a cheirar a merda… comer o almoço numa roulotte de esquina, voltar ao escritório para terminar um trabalho que odeias…
— Eu não odeio o meu trabalho.
— Odeias sim… e não me interrompas.
— Desculpa.
— Sair, voltar a entrar no metro onde te sentes uma sardinha enlatada… para chegares a casa às tantas da noite. Descobres que… as flores morreram de sede, os gatos de fome e a namorada foi-se embora. Bates uma punheta e esporras a treta que és para um lenço de papel… Onde é que isto te faz feliz? Acorda pá.
— E as leis? As regras? A sociedade?
— As leis… feitas por quem? Para quem?... Regras? Regras que já não se adequam a ninguém… servem apenas para nos algemar às paredes de betão… e sufocar-nos lentamente. E sociedade? Que sociedade? Já olhaste bem para a sociedade que existe? Cada ser mais egoísta que o próximo… mais violento… mais…
— Desculpa, mas não acredito nisso.
— Não acreditas? Olha para as grandes cidades, as pessoas já não olham ninguém nos olhos… aliás, só olham para as sombras, amedrontadas… e o medo gera violência. Acredita. Vê os noticiários… Assaltos. Espancamentos. Assassinatos. Desvios de dinheiro… foda-se, não vês que o mundo já está num cano de esgoto?
— Mas estamos a discutir isto porquê? Não estávamos a falar de um festival?
— Estávamos?... Ah, pois estávamos. Imagina… a lua a espreitar entre as nuvens… envergonhada, e nessa imaginação mete árvores, mete fogueiras, mete drogas, mete sexo, mete álcool, mete o que quiseres porra. A isto… chama-se sonhar. Sonha pá, sonha… que no sonhar não te fodem.
— Sim, sonhar é bom, nisso tens razão. Mas esse teu sonho é perigoso.
— O que te impede é o medo. Sempre o medo. Eternamente o medo. Anda daí caralho, vamos embora. Não temos nada a perder.
— Talvez não… talvez sim… talvez a liberdade… ou a vida… ah, que se foda. Passa-me aí uma cerveja e liga a música.
## Imagem feita com recurso a AI ##