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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

O último amanhecer

Setembro 29, 2023

Carlos Palmito

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No crepúsculo da esperança, a luz da redenção brilhou mais intensamente.

— Vasco, vira aí à direita.

Ele olhou para a direita. Lá existia apenas uma parede com uma pomba branca a abalroar uma nave espacial. “Liberdade ou morte”, lia-se em letras escrevinhadas com ramos de oliveira.

— Como assim direita? — o ar era pesado, o céu escuro, com gotas de água sujas, contaminadas, intermináveis. 

Leonor passou por ele a correr, entrando direta na parede. O miúdo de capuz branco esperou ouvir o baque do embate, contudo, ela atravessou a pintura como se fosse névoa.

Ramos de oliveira? Como podem saber o que é uma oliveira? Morreram todas faz muito. As terras são estéreis, os livros foram queimados, e o sol…

A iluminação do beco faiscou e explodiu. As pedras refletiram um clarão acima do fumo denso que enlaça todo o planeta.

— Despacha-te — ouvem-se passos a correr na entrada do beco. Vasco vê um objeto redondo a embater na parede à sua frente e cair aos seus pés. Lá cintilavam pigmentações na intermitência do verde e azul, lembrando um céu que se extinguiu nos primórdios da guerra nuclear e das explosões solares em impulsos eletromagnéticos.

Uma mão saiu da parede, e agarrou a criança de olhos verdes, puxando-o em direção à abertura camuflada por um holograma.

— Temos que ir, corre, estamos quase lá — Leonor arrastou o seu filho pelo labirinto de escombros. O capuz branco da criança deslizou, revelando os seus caracóis ruivos.

Junto à pomba, a granada de plasma explodiu, desativando momentaneamente a imagem. Os seres reptilianos adentraram por entre o lixo, numa perseguição implacável.

Após o quarto holograma, logo a seguir aos restos ainda fumegantes de um caça de guerra intergaláctico, Leonor travou abruptamente, colocando a mão no peito do seu filho, sentindo-lhe o coração a palpitar assustadoramente rápido, para o obrigar a parar.

Os seus olhos azulados perscrutaram o horizonte. Uma cratera desmesurada estendia-se aos seus pés, com um fundo negro, de onde um visco acinzentado a tresandar a decomposição se libertava.

— Merda — gritou desalmadamente. — Merda, merda, merda. Eu dormi contigo, meu filho da puta, eu dormi contigo para estares aqui a horas.

Ouviu-se o som de um disparo. A mulher empurrou o seu filho para a direita, saltando para trás no exato momento em que um feixe de luz passou por eles. Sentiu o aroma das suas sobrancelhas chamuscadas, e ouviu um novo disparo.

Sobre uma das asas do caça, estava um dos repteis, a apontar para eles e esganiçar algo incompreensível. Meio século, e ainda ninguém compreendia o grunhido daqueles porcos.

O segundo feixe atingiu uma rocha à esquerda da mulher dos olhos azuis, desintegrando-a por completo. Leonor levanta-se num impulso. — Tens apenas três segundos — gritou-lhe o cérebro. Arrancou Vasco do chão. A criança choramingou em pânico.

— Mas onde está aquele cabrão? — como resposta à sua pergunta, o som de uns motores a propulsão, existentes apenas em naves espaciais, oriundo das profundezas da cratera, acompanhados por uma luz branca, sobrepôs-se ao estranho dialeto dos repteis de duas pernas.

Leonor saltou com o filho para trás de um dos veículos de levitação magnética que enferrujava solitário na chuva ácida.

Do abismo, surgiu um caça alienígena. As luzes brancas do mesmo iluminaram o local. Na terceira janela de um dos poucos edifícios que se mantinham em pé, existia roupa abandonada, farrapos imundos do que em tempos teriam sido as vestes de alguém.

— Eu fodi contigo, gordo merdoso, como pagamento para me tirares daqui — berra a mulher do olhar cristalino como o céu dos antepassados. — Fodi contigo, vendi o meu corpo a troco de segurança — as lágrimas irrompem numa fúria desmedida. Os holofotes do caça fixam-se nos répteis.

— Mãe? — Vasco abraça a progenitora, a sua fortaleza — Não chores — o queixo da criança estremece, a voz treme, mas tenta manter-se forte — Não chores, por favor.

— Desculpa amor — ela recompõe-se. Ainda estão vivos, o mundo continua cáustico, mas… ainda estão vivos. Limpa as lágrimas que insistem em tatuar estradas no seu rosto sujo de fuligem. Sorri para a criança e beija-lhe a testa, enquanto um estalido ressoa no vazio.

O alfa dos répteis apontou para o caça, dois outros colocam uma arma nas costas, apontando diretamente para aquela réstia de esperança. O da frente pressiona o gatilho, o da traseira tenta manter o ariete firme, para não falharem o alvo. Atrás deles surge um feixe de energia que incinera todo o amontoado de lixo à sua volta, tornando pedras e escombros em cinzas. Da frente, um raio de luz é libertado, brilhando ao ponto de Leonor ter que desviar o olhar, e cobrir na totalidade a visão do seu filho. Cegueira branca. Ao longo dos anos já viu muitos assim, cegos na brancura do universo, como se vivessem afogados no leite materno das prostitutas da desolação. O caça faz uma manobra evasiva, esquivando-se para a esquerda ao mesmo tempo que subia verticalmente, ao mesmo tempo que colocou as armas inferiores em modo de ataque.

— Protejam-se — esta ordem veio direta do caça, em português puro, numa voz que Leonor desconhecia na totalidade, amplificada por uma mistura de megafones e colunas. Uma adaptação estranha colocada na nave alienígena. Não pensou duas vezes, simplesmente reagiu. Afastou-se com o seu filho o mais possível dos repteis. Um dos prédios esmoronou, elevando poeira no ambiente denso, a brilhar em constelações desconhecidas.

Das armas começaram a ser projetados feixes coloridos, em rajadas rápidas, que incendiavam tudo onde embatiam. Os repteis tentaram recuar, contudo, em vão. A mira de quem quer que manobrasse as metralhadoras de plasma era perfeita. Em dois minutos, tudo terminara.

Os restos dos cadáveres dos extraterrestres jaziam fulminados, libertando golfadas fumegantes a cheirar, estranhamente, a flores mortas, na poeira da última cidade a cair perante eles.

A nave planou por momentos sobre os corpos, com as asas perigosamente perto dos destroços. O holofote sondou os recantos escuros, em busca de sobreviventes.

Leonor, estava confusa. O seu filho encontrava-se de olhos fechados, a trautear uma música que a sua mãe lhe costumava cantar antes de adormecer.

O caça desiste da busca, recua, para pousar em segurança. A porta principal abre-se. De lá surge uma mulher.

— Onde raios estás tu, gordo merdoso — murmura Leonor.

— Venham — grita a estranha, para que a sua voz se fizesse ouvir acima dos motores do caça. — Depressa. Tenho a certeza que vêm aí mais lagartos.

Vasco sente a mão da sua mãe a puxá-lo. Ainda cantarola a música. Uma fuga ao mundo a meio de uma estranha sonoridade e poema, onde as pessoas são felizes, o céu azul, e as pombas significam liberdade. Um mundo que jamais presenciou.

— Anda amor!

— Despachem-se — resmungou o homem no megafone.

Leonor pega no filho ao colo, e corre em direção à salvação. Subitamente a estranha ergue em arma, apontando-a na direção deles. Pressiona o gatilho.

— Que merda? — Leonor estacou por completo, uma estátua com a cria ao colo, erigida no centro caótico de um planeta moribundo. Do céu, uma nova explosão solar cintilou acima das nuvens radioativas. Os olhos azuis da mulher seguiram o feixe que quase lhe acertou, e percebeu o alvo dele. Um réptil que tentara contorná-los. Voltou a correr, até à entrada do caça, uma onda mulher de cabelos escuros os esperava.

— Entrem.

Entraram. Lá dentro estava um ambiente iluminado por parcas luzes amareladas, e uma enormidade de leds coloridos.

— Quem são vocês? — indagou a mãe.

— Um minuto — respondeu o homem, que se encontrava no local do piloto. A estranha entrou. A porta fechou-se, a nave subiu no imediato, rápida que nem uma gazela, deixando a cidade destruída e os répteis para trás.

— Eu sou Pedro, ela é Laura — Tu és a Leonor, não és?

Leonor semicerra os olhos. Vasco senta-se num banco lateral, e coloca a trava de proteção. Pedro e Laura. Os nomes não lhe eram estranhos.

— É ela sim, Pedro — Laura expressava vitória na entoação das palavras.

Subitamente, Leonor escancara os olhos. O azul deles parece brilhar em meio à obscuridade, lembrando um lince das zonas polares.

— Vocês são os lideres dos rebeldes?

— Fomos — corrige Pedro. — A rebelião morreu. A batalha derradeira ocorreu ontem, nos esgotos. Vi irmãos de armas desfeitos numa papa viscosa. Mas derrubámos aquele ninho de lagartos. Contudo, só eu e ela — aponta para Laura, que esboça um sorriso —, sobrevivemos. E, como vês — nesse exato instante a nave trespassa as densas nuvens radioativas. Acima delas, o sol pulsa em explosões constantes. —, o mundo está a ir desta para melhor. Os cabrões do governo mentiram-nos, uma vez mais.

— Como sabem o meu nome? Como sabiam onde estava?

— Apanhámos uma transmissão — Laura sorri, mas nos seus olhos existia tristeza e raiva apenas. — Américo, era o humano. Ele tentou vender-vos aos canibais.

O gordo merdoso, ali estava o nome dele, o reles que fodeu Leonor.

— Filho da puta — resmungou entre dentes.

— Não te preocupes. Sei como pagaste a proteção dele. Mas, se te consola, neste momento ele está a ser preparado para o jantar. Gordo como era, vai alimentar uns quantos dos dentuças afiados.

Leonor esboça um sorriso amargurado. Como pode ser tão burra a ponto de confiar numa ratazana como o Américo? Como se permitiu a colocar Vasco numa situação como aquela? Os seus olhos azulados fixam-se na escuridão do espaço.

— Para onde vamos?

— Para o Santa Maria.

— Mas, já está no espaço. A frota está toda no espaço.

— Eu sei, mas tenho uma carta na manga — acende um cigarro, iluminando o rosto, dá uma baforada profunda, quase como um suspiro melancólico. — E ela chama-se Isabela.

— Quem? — indaga Leonor, em confusão.

— Não interessa.

Pedro ativa os restantes propulsores, libertando o caça para cima da velocidade da luz. Os olhos fixam-se no painel de instrumentos, num led que pulsa numa cadência perfeita, no canto superior direito.

 

In – “A Odisseia de Santa Maria: Além das Estrelas” um conto de ficção científica que estou a matutar.

Passa-se antes deste conto: No silêncio das estrelas , mas depois deste: Destino Incerto

 

Imagem gerada por AI

No limite da sanidade

Setembro 22, 2023

Carlos Palmito

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No coração da tempestade, encontramos a coragem que há muito perdemos.

Guilherme encontrava-se nesse momento deitado sobre um manto de musgos, que ocultava pedras afiadas e escarpas que se desenhavam no abismo e terminavam no infinito. O olhar azulado contrastava com a penumbra do céu. Na sua cabeça dançava a voz do velho desdentado, filho do lixo, neto da saliva, ancestral nascido de um útero apodrecido, numa repetição claustrofóbica: “No coração da tempestade…”

— Ah velho. Desdentado, louco, arruinado — murmurava Gui. — Tenho a certeza que nunca encontraste o teu temporal.

O homem, nos seus quarenta anos de existência, ergue-se. Todo o ser que tomba terá que se levantar, algures no tempo… no temporal, na chuva que não vem, e em histórias canónicas de deuses e mortais.

Na perplexidade das gotas que teimam em putrificar a sua alma, ainda sente o cheiro, o perfume que tresandava a freiras asfixiadas no sémen de um monstro que se julgara humano.

— Eu tentei, Inês, juro que tentei — cerra os punhos, os quais soltam uma faísca esverdeada, que o presenteia com o aroma de memórias reprimidas. — as faíscas tornam-se num fogo fátuo, que brilha na penumbra da noite e revivem fantasmas ocultos na sua perceção anestesiada pelo vinho flácido, derramado pelo falo dos gnomos de um jardim adocicado com ossos de cães e unicórnios.

— Eu tentei! — berra ao céu, negro como a alma danada de um deus esquecido. Explode dele, com ignição nos punhos, uma centelha de energia, que incendeia o bosque. A história tem uma tendência suicida para se repetir, tal como o homem tem uma tendência masoquista para rebentar com as rochas lambidas por mortos.

— Não, Guilherme, não tentaste! — respondeu o vazio numa voz esganiçada e atormentada, que lembrava a de Inês, a freira que fora violentada por um demónio, a que tentara expurgar o servo do submundo da existência mundana. — Rebentaste numa força cósmica, tal como agora. Rebentaste e mataste todos os órfãos, toda a igreja, o bairro, a cidade. Ainda lhes sentes o odor? Carne queimada? Lágrimas evaporadas? Sentes? — e era raiva, raiva de uma serva de deus, que lhe rasgava os locais mais recônditos da alma.

— Mas — tenta o ser de mia idade justificar-se.

— Não existe mas — grita o zero, a penumbra da noite iluminada por uma floresta em chamas, em ebulição, que nem a sopa dos pobres. — Nada justifica o que fizeste. Perdeste o controlo. E não foi a única vez, pois não? Lembras-te da putéfia na tua cama, naquela cidade longínqua, habitada por elfos e sereias? Virou cinza nas tuas mãos — e ri-se, a merda do vazio consegue rir, Inês ri-se… — Fogo sagrado, dizia o padre… pobre ignorante, que derreteu junto com a estátua de Cristo.

Uma estrela cadente, ou uma águia incendiada, risca as nuvens de fumo, para morrer no oceano viscoso dos pântanos submergidos pelos que dominam o planeta, os reis do inferno. Guilherme semicerra os olhos… o azul da íris tenta percecionar, ver onde ele estará… o seu predador, sua presa.

Encontra-o, escondido entre uma amoreira e uma corça decapitada, com um sorriso mordaz entre as mandibulas, e um ódio descomunal ao homem que se tenta erguer.

Aponta-lhe um dedo, do qual é projetado um raio mesclado nos cromados do escarlate e o esverdeado, escaldante, com a capacidade de derreter diamantes.

 — Hoje é o teu fim, minha besta — berra. Inês está muda, a freira que virou demónio, ou o demónio que virou freira. Nas narrativas, muitas vezes nem se percebe onde se misturam os elementos, e quem é o quê. As narrativas adaptam-se consoante as sociedades, e nesta sociedade, a narrativa era apenas uma. — Hoje liberto-me. Sem medos. Sem tristezas, sem culpas, sem passados, sem nós.

Aquando da colisão da energia cósmica com o demónio que fora alguma coisa, que controlara Guilherme, que o afundara nos bares da floresta, nas lixeiras das cidades, e nas camas de Sodoma, o planeta suspendeu. Tudo parou, por um minuto… O minuto da libertação das amarras, o minuto da coragem.

Assim, enfrentam homens os Deuses… enfrentam demónios, e vencem… assim, morre o cobarde, morre a dúvida, falece a tristeza.

— Eu juro que tentei, Inês.

 

Pintura de M K Anisko - Burning Forest (2010)

 

O quadro que engoliu o tempo

Setembro 18, 2023

Carlos Palmito

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A primeira vez que entrei no estúdio, não prestei muita atenção, nisso tenho que ser sincero. Contudo, na última, no dia antes do incêndio, existiu um quadro que me chamou a atenção. Havia qualquer coisa nele, um brilho peculiar, uma aura, não sei explicar, mas tinha mesmo qualquer coisa, tinha vida e tinha solidão.

— Desculpe? — o funcionário ignorou-me por completo. Tive que insistir.

— Desculpe, pode dizer-me quem é a pessoa ali? — apontei para uma velhota que me encarava, aprisionada numa tela.

O homem desviou o olhar para o quadro, sorriu, mostrando os dentes amarelados pelo tabaco e café de uma vida guiada por vícios.

— Essa é a dona Clotilde.

— E quem é ela ao certo?

— Uma pessoa que floresceu no campo, germinou como uma macieira, para, no final, regressar a Éden.

Olhei perplexo, não percebi patavina do que ele me disse.

— Quem?!

— Era avó. Sabe? Todos nós temos ou tivemos uma. Essa é uma delas. Pode ser a minha, pode ser a sua, e, quem sabe, pode até mesmo ser a avó dos seus netos.

As palavras dele, em formato de prosa poética, tocaram-me direto na alma, aquele local entre o coração e a derme.

— E as maçãs?

— Teologicamente, as maçãs são a origem do pecado. Não quero com isso afirmar que ela era uma pecadora, pois, como vê, — indicou-me uma parte da pintura para onde os meus olhos acastanhados se moveram — está ali um espaço branco, vazio.

— De facto — cocei as barbas, franzi o sobrolho. — Nem me tinha apercebido.

— Porquê o vazio? Algum sinal de santidade? — acredito que, apesar de não o ter notado, o que me captou a atenção no quadro, o que lhe brilhava, era aquele local, desprovido de tinta, imaculado.

— Falei em teologia, contudo, não significa necessariamente que a maçã em falta signifique pureza. Ela não era pecadora, no significando que essa palavra possa ter para qualquer um de nós — ele pausou o discurso e observou-me atentamente, com uma certa curiosidade por trás daqueles olhos verdes. — Quer ver uma coisa?

Acenei afirmativamente.

— Siga-me então.

O funcionário, Joel, pelo que se lia no crachá que lhe habitava o peito, conduziu-me através de um labirinto, desenhado a telas, a vidas, a planetas, até um local. Aí, existia um quadro, branco na globalidade, exceto por um pormenor.

— Vê? — indagou ele.

E eu vi, percebi um ponto ao longe, que crescia a cada piscar de olhos, que se aproximava de mim, que transpunha a tela e se imiscuía na realidade.

— A maçã! — balbuciei, sentindo-me a ser engolido pelos tons cromáticos dela, pelos cânticos que vieram diretos do início dos tempos, em direção à imortalidade.

Se tive noção do que aconteceu a seguir, não o consigo afirmar. Sei simplesmente que abri os olhos, estava no quarto. Cheirava a gatos e jasmim; tresandava a histórias por contar e a aguarelas.

Do teto pingavam cores, borrões e saudades a saberem a maçãs. Uma luz azul trespassava as persianas.

— Clotilde — murmurei, e adormeci embalado pelas sirenes dos bombeiros.

O estúdio incendiou-se. O funcionário morreu nessa noite, levando com ele as memórias de uma avó.

 

Nos seus cabelos dançavam histórias, contos de um tempo onde não existiam violinos, nem salões de chá. Clotilde atenta-se ao espelho, observando cada traço do seu rosto, todas as rugas que Cronos lhe concedera ao longo da vida, da viagem pela terra.

— Onde paras, amor? Quantos segundos se passaram desde que surgi?

E o espelho não responde, jamais respondia, nem tão pouco ecoava o que lhe agonizava a memória. Na sua rede neuronal existia um espaço em branco, vazio, lembrando a maçã de Éden, entregue a Eva, comida por Adão.

 

 

Pintura Aguarela por Julio Jorge

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