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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

metamorfose tingida por borboletas

Setembro 25, 2023

Carlos Palmito

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As palavras transformam-se em borboletas, dançando no jardim da mente.

Libertando laivos de luz a refulgir na incomensurável escuridão. Abandonam o casulo para se tingirem nos ritualistas compassos cromáticos de um arco-íris multifacetado, com giz e carvão, sangue e suor, sentidos e sentimentos, barcos de papel salpicados com aguarelas extasiadas a navegar nos esgotos lacrimosos da criação humana.

— De onde vens? Para onde vais? O que é o amor? O amor incondicional, aquele que te dá a vontade de acordar, de vaguear numa floresta de morcegos, sendo tu um canário, uma arara, o ar que as heras venenosas inspiram, e as eras envenenadas expiram? — indaga-me a rainha das traças, cinza, perecida na sua obscuridade, filha agreste do abismo, neta arisca da tempestade.

Ignoro-a, a traça metafórica da minha conceção, conheço-a desde que germinei neste viridário. É a minha irmã gémea a sussurrar do outro lado do abismo.

Eu sou o selvagem, o indominado, sou o vento e a chuva, o granizo e o fulgor no teu olhar. Sou aquele de quem falam para aterrorizar crianças, ou o que referem na lua dos apaixonados. Sou palavras, palavras livres, soltas como as páginas de um livro rasurado por angústia.

— Não interessa de onde venho, e tão pouco para onde vou. Sempre foi o caminho, a viagem, sempre foram os passos… O amor incondicional, ou o ódio abstrato.

As borboletas metamorfoseiam-se em palavras, gritos de revolta na manifestação artística, asseverações de liberdade nas prisões impostas pela caixa em que habitas, a sociedade em que vives, o mundo que te quer obediente.

Os berros são a arma, são a (r)evolução, são a alma do guerreiro que suporta o peso do mundo e o traduz num manual de procedimentos, numa panóplia de emoções, num riso amargurado, ou numa amargura desmistificada na mais cristalina das exultações.

 

Foto encontrada na NET

Sorrindo 2 em um

Outubro 21, 2021

Carlos Palmito

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Texto um
 
O despertador já tocou há dez minutos, luto contra a dor, não a física que essa é fácil, mas a do âmago.
Desnudo e em passos resignados, vou e lavo o rosto, os dentes, não a alma, que essa não tenho como o fazer. Contemplo a face no espelho por entre a humidade condensada e noto as olheiras de mais uma noite mal dormida… A expressão apática do meu ser refletida nesta coisa. Volto ao quarto, visto-me, o tempo escasseia, e corro para a saída, onde coloco o ultimo embuste que me faltava, o sorriso… A farsa imposta socialmente.


Texto dois

Ruidosamente ao som de megafones ouve-se o apresentador, quase rouco neste momento de êxtase, enquanto os leões ursos e zebras voltam para o interior das tendas.
--Meninos e Meninas! Senhores e Senhoras! Múmias e Múmios! É com um imensurável prazer que vos apresento o Alfa e o Beto, vulgarmente conhecidos por AlfaBeto.
Os olhos das crianças deleitam-se, os adultos aplaudem e as múmias enrolam-se ainda mais nas suas mortalhas, enquanto os tambores rufam, e aos trambolhões entram dois palhaços com um sorriso de orelha a orelha, sendo de imediato bombardeados por tartes.
Só aqui AlfaBeto sorriam, nunca fora do circo!

Uma vida alaranjada

Outubro 20, 2021

Carlos Palmito

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Com uma sensual brutalidade fui arrancada da árvore onde nasci e cresci, onde vi irmãos e amigos germinarem para caírem num mundo assimétrico, uns com gritos de êxtase, outros de terror.

Os pequenos olhos castanhos (sempre amei essa cor) fixavam-me com gula, quem sabe algo mais, quem sabe algo menos, e senti-me acariciada pelos dedos na perfeição do toque, na perfeição da temperatura.

A casca foi limpa, quase que lavada num impulso inexplicado (ninguém nunca come a casca) raspas de laranja ao bolo, raspas de mim numa comida qualquer em vossos sonhos.

E foi nesse momento que constatei, vi ainda o brilho no gume afiado, e nada senti, sei que fui penetrada na prata cintilante da noite… na laranja da minha casca, mas nada senti! (deveria ao menos ter sentido dor?)

O licor da minha vida jorrou para fora num intenso sabor de alma, a minha própria, deixando na atmosfera um aroma cítrico, sabia que gomo após gomo ia saciar a tua fome, a tua sede… a tua gula. E quem me saciaria a mim?

À primeira trinca… no primeiro dos meus gomos, gritei, e não de dor como julgara desde que a prata penetrou a minha alaranjada casca… mas sim de prazer!

Como pode algo que deveria causar dor me levar à loucura do desejo? Deixei-me simplesmente ir, gomo após gomo, desejando que nenhum deles fosse o ultimo, e pudesse imortalizar o momento…

 

Foto de Nadi Lindsay no Pexels

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