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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

A ti abril

Maio 23, 2023

Carlos Palmito

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Abril, águas mil, do mais honroso ao mais vil, dos olhares perdidos às sementes,

da pia batismal onde afogam os penitentes, aos prados reluzentes do pecado.

Abril, águas mil, beatificado, santificado, dançante num musical… sufocado…

onde estão as tuas enchentes, onde chilreiam as tuas aves, onde andam as tuas gentes?

 

Abril, águas mil, agradeço as flores que me puseste, desenhadas a lápis, no caminho.

Todas elas, em direção à danação, todas para mim, todas eterna e silenciosamente minhas.

Todos os aromas, cores, todos os pólenes, pétalas, abelhas, todos os vinhos e vinhas.

Abril, abril, se te amassem, se te soubessem amar, abril, se ao menos te concedessem carinho.

 

Abril, águas mil, agradeço-te os diamantes cristalinos nas poucas chuvas que nos oferendaste.

Os pastos agradecem, a floresta agradece, a fauna, a flora, os rios secos de lágrimas celestiais.

Somos pecaminosos, abril, seres oriundos do barro, frágeis como vidro, fortes como cristais!

E eu agradeço-te, pelo contraste que em ti existe, pela brisa e chuva com que nos tocaste.

 

Que mais te posso agradecer, que posso eu expressar, falarei no castanho dos olhos

que fitam as nuvens, que focam o sol e se perdem no horizonte, pudesse e seria uma fonte,

a mancha de um fauno nas florestas. Embrenho-me em ti, abril, no poente, após a ponte.

Somos fortes, abril, filhos da terra, abril. Obrigado pelas marés que desfalecem nos molhos.

 

Agradeço-te pelas letras que traçam os contornos da minha existência vincada num caderno.

Pela fábula que a cria, letra após letra, massa numa sopa fria, ruído, música, ritmo, cadência,

agradeço-te, irmão de março, de fevereiro, filho de Cronos, agradeço, na minha sonolência.

Abril, águas mil, da agressão à paixão, da luz à escuridão, do vazio ao teu abraço fraterno.

 

Poema criado no âmbito do desafio 12 Meses de 2023 | de Gratidão lançado pela nossa querida rainyday

A ti março!

Maio 15, 2023

Carlos Palmito

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A ti, março; para ti, março; por ti, março; sobre nós, março…

Ontem não choveu, novamente. Estou seco, perdido a meio de um enredo,

e é tarde, muito tarde, estamos em maio. É manhã, cedo, demasiado cedo…

e são agulhas e são memórias, é um abraço e o cansaço, o coração e o compasso!

 

E tenho que te agradecer, meu irmão, agradecer por cada segundo, cada momento,

agradecer às estrelas aprisionadas no fundo de um lago congelado perante a noite,

ao sussurro do vento que lhe lambe as águas cristalinas, que me concedem proite,

que me trazem reminiscências refundidas, documentadas e seladas a cimento.

 

Agradeço à escola que é a vida, aos livros que são as inspirações epidurais,

ao alimento que me combusta e impulsiona na direção da eternidade,

ao pão e vinho, à fruta e leguminosas, aos paladares azedos da liberdade.

Às palavras escondidas nas esquinas da bonança. É, março… somos animais.

 

Agradeço à criança existente em mim, fraca e efémera, desejosa de mais,

desejosa do mundo, do universo, da primavera, das flores, sedenta de vida,

moribunda num saco de grãos de trigo, que serão farinha, pão, comida,

e é ela que me dá forças, forças para te olhar de frente, março, e gritar “Jamais!”

 

E é isto, meu irmão, meu amigo. É isto, março, é este o nosso triângulo amoroso,

eu, tu e a primavera, nós unificados pelos odores afrodisíacos de uma flor

germinada no fenecimento do inverno, na morte do frio. Somos dor, e somos amor.

Obrigado, março, obrigado por cada afeto silencioso, pois cada ápice foi… majestoso.

 

Poema criado no âmbito do desafio 12 Meses de 2023 | de Gratidão lançado pela nossa querida rainyday

A ti fevereiro

Abril 04, 2023

Carlos Palmito

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É abril e falo de fevereiro… agradecer ao quê?

Instintivamente separo as memórias em quadrinhos,

penso, repenso, embriago-me em lembranças e vinhos.

Nada surge. Serei o poeta que nunca lê, o visionário que nada vê?

 

Poderia falar de acampar, mas não acampei.

Talvez vos falasse do sol, mas esse esteve escondido.

Que tal o gemido no teatro da dor, enfatizado e aplaudido?

Ou um salão real, imundo nas vísceras apodrecidas de um rei?

 

Nada! Tudo seriam mentiras banais e teatrais, seriam invenção.

Seriam máscaras de carnaval numa montra desprovida de reflexos.

Seriam dias cobertos por neblina e pensamentos desconexos.

A que posso agradecer, Deus? Só posso estar louco, a perder a razão.

 

E se agradecer a mim? Ao meu sobrenome, sobre o nome, sem nome?

Não. Isso seria injusto, egoísta e egocentrista. Agradecer a mim, que nada sou!

Necessito de uma bússola, um mapa, uma indicação de para onde vou.

E sei precisar de agradecer, em abril a fevereiro, em palavra a pronome.

 

Vamos ligar a cablagem, cabos após cabos, dias após dias.

Agradeço ao ar que respiro, ao suor que transpiro, ao ser que admiro.

Agradeço à comida que não falta, à cama onde repouso, ao som que suspiro.

Agradeço ao vento que transporta perfumes, sabores e magias, filantropias…

 

Agradeço-te, fevereiro, agradeço-te mesmo, tenho que agradecer.

Ainda aqui estou, não estou? Um imortal entre imortais?

Um ser perdido entre a lucidez de uma luminária e pensamentos imorais.

Ainda aqui estou fevereiro. Não te livrarás de mim. Não posso morrer.

 

Poema criado no âmbito do desafio 12 Meses de 2023 | de Gratidão lançado pela nossa querida rainyday

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