Versos de um pacto
Setembro 05, 2023
Carlos Palmito
Olá meu amor. Ontem choveu um pó fininho que me tirou o olfato.
Tentei encontrar vislumbres da tua silhueta por entre a condensada névoa pictórica
da minha cabeça... Mas não estavas lá! Existia somente um perfume e uma solidão metafórica,
lembrando-me de uma tragédia em três atos, a partir da qual se formou um pacto.
Esse pacto era sobre lobos e estrelas, anjos e fadas, camomilas e um rio
que serpenteia nas colinas de Vénus, para desaguar nos meus olhos castanhos.
Sempre foi água, e sal, e riscos prateados a dançar em musicais estranhos.
Sempre foi o leito, o lençol aquoso, o teto lunar, sempre foi superar o desafio,
Superar o destino, extrapolar os deuses, suplantar as constelações.
Sempre foi… amor… foram sombras refrescantes no verão,
foram chuvas de outono e flores primaveris a ornamentar a tua mão.
Foi inverno, primavera, verão, outono… descomplicadas estações.
Sempre foi…
um pacto encenado entre três atos.
Ontem adormeci, embalado pelos trovões. Tive paralisia do sono, uma vez mais.
Descobri estar aprisionado numa repetição infinda, sem prosas adornadas,
nem rios, nem guizos, em que todas as ações eram interrompidas e reiniciadas.
Sem puder fugir, sem poder gritar, nem chorar, nem gemer, sem adagas nem punhais.
Hoje, tenho gotas de sangue a pingar sobre o livro das memórias,
borrando as letras traçadas a carvão, maculando o pacto, sem calma,
como um punhal enraivecido que se afunda na carne até trespassar a alma.
Hoje, tenho um cálice embelezado com sonhos, desprovido de glórias e vitórias.
E num prado, existiu um anfiteatro, existiram dois seres, existia um rio, existia pó de anjos mesclado com fadas… existia um chamamento, existiam figurantes… e no final, subsistiu apenas o pacto.
Pintura de Arnold Böcklin - Mountain Landscape with Waterfall (1849)