A criança em mim!
Junho 01, 2023
Carlos Palmito
As velas da caravela erguem-se imponentemente no fulgor da escuridão.
Diogo sobe em direção à cruzeta; por entre ramos e folhas de salgueiro.
De lá consegue ver o Japão, a lua, um homem a arar terra, um vespeiro,
o Brasil, e a irmã dos crocodilos a brincar às cegas com o bicho papão.
— Avante irmãos! — grita em deslumbramento o orgulhoso comandante.
O timoneiro encaminha a embarcação, agilmente, por entre as vagas gigantes.
O vento agita sonolentamente as searas. — Hoje conquistaremos os elefantes.
No açude, o sol reflete mundos e universos nas águas, como um calmante.
— Inimigo detetado à direita. Preparem os canhões para o combate.
Diogo pega na sua arma, uma espada de madeira, e faz o sinal da cruz.
— Por deus, pela pátria e pelos antepassados que nos concederam a luz!
— Mano? — Mariana chora, uma mão indica o mar, a outra segura um chocolate.
— Que foi? — pergunta o bravo comandante, do topo do seu salgueiro.
— A bolota caiu na lagoa. — Ela aponta, tristemente, para uma boneca de trapos
que navega, desamparada, no incomensurável oceano, entre cobras, rãs e sapos.
Diogo nem pensa, salta da sua cruzeta num voo de ave de rapina, qual cavaleiro.
As águas frias da albufeira agitam-se com o impacto do corpo da criança,
ele nada em direção à boneca, resgatando-a da morte certeira no seu mundo.
Sai do açude com a bolota nas mãos, orgulhoso, como se fosse um rei vagabundo.
— Salvei-a, Mariana. Toma, é tua — e entrega a boneca em segurança.
Ela abraça a boneca, a qual enche de beijos no seu rosto de pano,
enlaça o destemido comandante, que lhe salvou a amiga da eternidade.
— Vais voltar para o barco? — pergunta, contemplando a árvore sem idade.
— Qual barco? — indaga o irmão. — Aquilo é um foguetão. Anda, vem com o mano.