Perséfone
Outubro 28, 2024
Carlos Palmito
E se falássemos de flores?
Das cores que as moldam. Dos tons cromáticos que as tingem... quentes, frios, ardentes, gelados... dos bálsamos inebriantes, quase hipnóticos, que nos fazem dançar na escuridão. Das pétalas aveludadas que nos pintam os dedos como telas vazias no pincel de um artista desconhecido. Da vida que as envolve. Do vento que sussurra canções de embalar ao afagar-lhes os caules.
Das coroas de margaridas e juras de amor em pétalas de malmequeres?
“Mal me quer, bem me quer, mal me quer, bem me quer.” Quem é que te quer, ó triste pétala enegrecida? Quem é que não te quer, ó sublime pétala colorida?
E se falássemos de bruxas, bruxarias e sardas a sarapintar as planícies infindáveis de um organismo vivo a quem teimam em chamar Terra?
Serão as abelhas, a zunir na imensidão do infinito, responsáveis por transportar a poeira das estrelas?
E se falássemos de sorrisos, beijos, abraços, perfumes e chuvas de verão?
Com os corpos apaixonados a rebolar nas relvas húmidas, com olhares profundos e toques suaves. E se falássemos de nascimento e regeneração?
E se bebêssemos flores, nos enforcássemos nelas e engolíssemos as suas pétalas para nos asfixiarmos em beleza?
E viajássemos em pólen? E se falássemos de flores? De estufas, prados, florestas, selvas, desertos, oceanos, rios, lagoas e jardins?
Deus... jardins!
E se falássemos de Éden e do pecado original? Ah, e as flores, todas as amaldiçoadas flores, todas as coroas de espinhos, em todas as guerras, em todas as pestes, em todas as mortes... em todos os sepulcros.
E se falássemos de áridos desertos, de lodaçais, de rochedos e de solos estéreis?
E se... falássemos realmente de flores? Secas, murchas, mortas, a embelezar uma campa esquecida numa vasta pradaria de ossos abandonados? E se...
Mas nunca falamos de flores, pois não?
Nunca falamos realmente de flores. E se falássemos de morte?
P.S. Imagem retirada do freepik