Sinfonia da Memória e do Esquecimento
Dezembro 02, 2023
Carlos Palmito
Suspiro, suspiras, ouvimos a chuva,
o baque de mil demónios e uma flor.
Suspiro, inspiro, redemoinho na dor.
O teu vinho vem do sangue de uma uva.
Sabias?
A noite foi de trovões, como antes,
como sempre, como eternamente.
Estou frágil, amanhã estarei doente,
talvez uma larva no rio dos elefantes.
Na minha recordação vem o teu rosto,
O olhar prásino perdido no completo vazio.
No alpendre o pardal mudo recupera o pio,
e na pia batismal, o demónio foi deposto.
Todos nascemos sem consciência do bem e do mal, sabias?
Cheira a terra molhada, a campo e a tosse escarrada,
Cheira ao barro que moldou o destino de uma estrela anã
Cheira ao doce ontem com o sabor amargo do amanhã,
Cheira a saudade na ausência da memória que me foi imposta.
E estás tu, sempre lá, bela tu, amada tu, um chá de ervas
na penúria da noite, uma luz negra na penumbra do eu,
sempre lá, perdida no vazio, sem veres que eu sou teu.
Sim amor. Sim memória. Sim dor. Eu sou teu, sem reservas.
A memória, o que raios é a memória?
A memória é uma mentira, é uma menina num baile de finalistas,
Uma aguardente quente na frente de um alcoólico.
A memória é uma cruel invenção que me pune todas as noites.
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