Os inacabados
Março 14, 2023
Carlos Palmito
Os hipopótamos montam cavalos alados, amarelos, que tresandam a morte,
planando, quais rochas ao vento, na imensidão desértica da fossa das marianas.
Os poetas cantam-lhes histórias de épocas vindouras em linguagens funestas e insanas.
Agrilhoam a memória, as vozes… o gume traça o mapa na derme, num prazeroso corte.
Encontram-se num palácio mental, azul, que fede a promessas esquecidas,
num amontoado de mentiras, de corpos, de orgias assexuadas e selváticas,
os dedos enterram-se nas algas desmembradas, sibilantes, sangrentas, apáticas,
nas guelras estranguladas, na translucidez opaca de um toque de midas.
E lambem-se, lambuzam-se no branco azedo dos olhos,
de onde emanam perfumes de florestas ancestrais,
esquecem-se de si mesmos, da sua condição de restos mortais,
uivam às estrelas do mar, rosnam por pedaços de tulipas, em quadros e folhos.
Atingem o êxtase na ejaculação cintilante das trovoadas,
urram com trovões, silvam nos relâmpagos, murmuram sob rabiscos de giz,
estraçalham-se com unhas partidas, quebradas, comedidamente coladas com verniz,
enquanto ao longe, as operárias de cimento são caçadas, emboscadas, enjauladas.
O sémen verde cujo bálsamo relembra anjos a dançar em colinas vulcânicas
jorra dos falos mirrados, da falência renal, dos ódios exacerbados, das palavras aprisionadas,
verte em direção ao abdómen, aos peitos, à boca oprimida, às mágoas recalcadas,
às cores basilares, às presenças desfasadas e difusas de matérias inorgânicas.
A dança dos lobos é desenhada a carvão, pó de fadas, clorofórmio, ácido,
os corpos fundem-se bruscamente em todas as tonalidades cromáticas do vermelho
O aroma é pelo, baba, um pouco de sálvia, um olhar, o sibilo de um escaravelho,
um corpo velho, desgastado pelo tempo, inchado, coração obstruído, flácido.
Todos os rostos são sombras negras, cheiram a histórias por contar, e limões.
Vão e vêm como numa avalanche de oxigénio que nos empapa as virilhas,
num desejo carnal de lhes rasgar os lábios tecidos com fuligem, criados sobre armadilhas,
para chafurdarmos no emaranhado viscoso da saliva, do sangue e das desilusões.
E os ventos, os ventos gritam, e berram, e gemem melancolicamente…
— Os inacabados!