Os dias do fim
Maio 09, 2023
Carlos Palmito
Duas sombras percorrem as pontes de madeira apodrentada pelas chuvadas ácidas,
na perpetuidade de um inverno glacial, que lhes queima a retina, a derme, a alma.
Que lhes delineia um sombreamento amarelado no esgar de uma insanidade; calma.
Digere-lhes as parcas gotículas de um assado de mutações genéticas, grotescamente flácidas.
As lágrimas misturam-se com as partículas da intempérie eternizada pelo pó.
Derretem alçapões de horrores e medos desconhecidos, liquefazem rochedos e acrofobias.
As vozes nas bolhas de gás que emanam dos olhares perdidos, tresandam a mijo e fobias.
Lá bem longe, um coelho trespassa a traqueia de um lobisomem, sem misericórdia nem dó.
Perto da terceira estrela negra, descem as escadarias helicoidais. O abismo geme,
a relva é um planalto de ossadas dos vindouros, dos fetos abortados no suicídio,
as flores são cerdas fumegantes de omnívoros carnudos, vítimas de homicídio,
as águas translucidamente opacas fedem a venenos camuflados num vento que treme.
— Que aconteceu ao mundo, pai? — pergunta o mais velho para o menos ancião.
— Aconteceu o homem. — Num outro extremo, as fábricas produzem fumo e desolação.
Um lodaçal de pigmentações brilhantemente pútridas, rodeia o lago que hidratou reis.
O seu toque significa morte, significa asfixiação, significa adeus. Duras são estas novas leis.
A árvore sagrada aguarda numa cadeira elétrica, rodeada por pus e excrementos.
De um falo ressequido, embalado a vácuo, onde as pombas brancas corroeram os filamentos
acéfalos da liberdade, da raiva e do ódio, até à distorção comportamental dos fundamentos,
escorre-lhe uma seiva translucida para os brotos mamários metamorfoseados de alimentos.
Cai o filho, tomba o pai, morre o espirito e o santo, a extrema unção é ofertada à humanidade,
o funeral da natureza é presenciado por mutações dismórficas de germes palacianos.
São compostas árias nas terras áridas de um deserto composto por cinzas, ao som de pianos.
Fecham-se as cortinas do planeta; uma por uma, todas as luzes se extinguiram na cidade.
No final dos anos, dos tempos, no inicio do vazio e da escuridão, em ti e em mim,
irmão de armas, irmão de sangue, irmão da resistência, irmão na morte,
sabemos que tudo se foi, desde os desertos do sul até às tundras do norte,
e no ar, como memória, como miragem, apenas um odor permaneceu… jasmim.