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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

O último dos Marcianos

Dezembro 13, 2023

Carlos Palmito

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Dois passos, meia volta, uma pirueta.

Na sua esquerda o sol nascente ilumina os picos montanhosos de uma alucinação. O topo branco transforma-se a pouco e pouco enquanto desce, primeiro para um cinza, depois um castanho, e, no final, na sua base, o verde abundante de uma floresta virgem.

Atrás, os seus passos estão desenhados numa planície de sal, que brilha como nunca, conseguindo ofuscar até mesmo a visão de um ser sem olhos. Ofuscando, inclusive, a lua que morreu duas horas atrás. Pelo menos, uma delas.

Mais na distância, bem lá ao fundo, além do sal, levanta-se um planalto. No seu topo, um palácio majestoso grita histórias de milénios.

Os grandiosos salões de mármore negra estão vazios, ecoando, ainda, os passos dos guerreiros, o som do aço a embater em aço, e os berros de dor, de agonia, de cabeças a serem decepadas. O estandarte da casa dos deuses bamboleia solitariamente ao vento.

Dois passos, meia volta, uma pirueta.

No centro, uma mesa que em tempos serviu cento e setenta e uma almas, está recheada de comida podre, a fruta rodeada por moscas que plantam as suas larvas, e as garrafas de vinho tombadas, a verterem ainda resquícios do néctar que embriagou um planeta.

A fogueira permanece acesa, concedendo ao gélido local um aroma contrastante com a podridão. Uma mistura de pinho, carvalho e muitas outras madeiras desconhecidas. A luz da lareira ilumina as paredes que escorrem o sangue dos fantasmas.

Dois passos, meia volta, uma pirueta.

Na sua frente, existe o que parece ser um lago magnificente, onde duas baleias servem de montaria a uns seres que envergam uma armadura de ossos. Na mão superior esquerda têm uma lança de metal brilhante, incrustado com diamantes.

O intercomunicador liga-se automaticamente. Primeiro, um zumbido de estática, depois uma voz feminina.

— Christ — dois bips, alguns estalidos e a estática de novo — e Ann?

Dois passos...

— Who the fuck is Ann? — resmunga ele, entre dentes, num som abafado, arrastado, cansado.

... Meia volta...

— Christian?

…uma pirueta.

— Con… — bips e mais bips e estalidos — gues ouvir?

Uma luz vermelha surge repentinamente no interior do seu capacete, refletida na viseira embaciada pela sua respiração ofegante.

— 0.01% de oxigénio restante — dois passos. — Tempo estimado até 0 — meia volta —, dez segundos. — uma vénia.

 

Imagem retirada do Freepik

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