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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

Introspecção

Dezembro 29, 2022

Carlos Palmito

pexels-cottonbro-studio-6830877.jpg 

Montemor-o-Novo, 29 de dezembro de 2022

 

 Meu caro eu do passado,

 

 Como estás? Sim, eu sei que é uma pergunta desnecessária, pois estive na tua pele desde o início do ano. Tenho consciência que ainda estás a assimilar tudo o que 2021 te trouxe, e ambos sabemos que não foi pouco, contudo, tenho a informar que se achas que esse ano foi duro, espera só chegar onde estou agora.

Deus não foi benevolente contigo, por vezes parece que te enfiou num torneio de natação sem ao menos te ensinar a nadar. Vai começar logo no teu aniversário, sim, a cinco de janeiro, aí vai ficar a primeira chaga, cuja cicatriz ainda hoje carrego, será difícil sarar por completo, especialmente, sendo nós como somos.

Depois, parece uma verdadeira queda livre, ambos sabemos que muito do que sucedeu estava predestinado, tinhas vislumbres do que viria, pensavas estar preparado, mas a realidade é que não, não estavas pronto para nada do que ocorreu.

Ao longo do ano, muitas vezes vais parar e perguntar quem raios tu lixaste numa vida passada, qual monarca ou bruxa, para te rogarem tal praga. Vais ter que tomar decisões que vão mudar a tua vivência por completo, vais ter que abdicar do teu porto de abrigo, sendo que neste abdicar retomarás o pouco que te resta de sanidade mental. Mas terás consciência que tal ato não foi maldade, antes pelo contrário, foi bondade, para ti, e para o farol que agora ilumina o mundo noutro local. 

Muito do tempo vais estar anestesiado, não por extras como álcool ou até mesmo cacau, vais estar anestesiado mentalmente, vais tombar no chão, e nessas alturas vais erguer os olhos para cima e berrar. “É só isto que consegues? Lamento informar, senhor suprassumo todo-poderoso lorde dos miseráveis e alienígenas, mas ainda estou vivo. Deixa de ser preguiçoso e manda logo tudo de uma vez.”

E então vem o onze de setembro, mais uma data que nunca mais vais ver com os mesmos olhos. Esse dia vai ser complicado, tal como os que o sucedem… é engraçado, mas uma coisa descobrimos também ao longo do ano, que é o fato de não sabermos chorar. A nossa forma de fazer luto é diferente, mas, lá está, somos demasiado silenciosos, não é, Carlos? Guardamos até estrebordar.

O Natal passou, diferente de todos os que tiveste até ao momento, mas nunca lhe ligaste muito mesmo, por isso, quando te deitaste às onze da noite, a lua não estranhou.

Agora, nem tudo foi mau, aliás, dizem que a vida muda a cada sete anos, não é? Sendo assim, até bate certo, é que, não foi uma simples mudança, foi uma espiral de mudanças.

Ao longo do ano, vais estar com pessoas que gostas, velhos amigos que reapareceram na tua vida, novos amigos que vais criando, e laços afetivos. Se de um lado existiu um roubo (apesar que, agora que penso, o roubo não foi a mim, afinal ainda estou vivo.), no outro existiu uma dádiva.

Outra das coisas que 2022 te vai trazer, vai ser o fato de participares em diversas antologias, tanto de poesia como de contos, e nós sabemos a libertação que o escrever nos dá, não sabemos?

A carta já vai longa, e deves estar apreensivo, foi muito o que te disse, sem te dizer quase nada, pensei que poderia dizer mais, mas seria demasiado pessoal, apesar que, isto em nada é impessoal.

Guardo então na minha disquete neuronal todos os eventos, toda a morte, mas também toda a beleza, afinal, acredito que ainda hoje existam vestígios de um totem multiusos criado por ti num areal, numa noite quente de verão.

Sê bravo, meu caro. Vais precisar de muita força, não só física, mas especialmente mental, contudo, no final vais superar tudo, não fosse o caso de eu estar aqui hoje a escrever para ti.

 

Um abraço, que tenho a certeza necessitares,

Carlos Palmito

P.S. não te dei a chave do Euromilhões, porque sei que não jogamos.

P.S. dois P.S., mas este também é necessário. Não construas muralhas à tua volta, como tu dizes, se o caminho fosse fácil, o mundo era aborrecido.

 

Carta criada no âmbito dos desafios da abelha.

52 semanas de 2022 | tema 52
uma carta para a pessoa que foste este ano

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