Ecos na distância
Novembro 07, 2022
Carlos Palmito
O corroer dos tempos passados insiste em permanecer na fotografia estática que a minha própria deturpação da realidade criou.
Levanto-me da cama, está ensanguentada de pesadelos, encharcada nos suores noturnos em mais uma noite gelada de solidão.
Como um felino lambo a pele até sangrar, até expurgar a alma, não a quero, está danificada… custa-me erguer do leito, sair daquele resguardo que me concedeu terrores na noite, eles mantêm-me vivo.
Em passos lentos dirijo-me à casa-de-banho, abro a torneira de onde irrompe uma água tão gélida quanto a transpiração que ficou nos lençóis.
Existe um ser no espelho que insiste em observar-me num tom acusatório.
— Que estás a fazer?
Ignoro-o, ignoro-me, a boca sabe a cinza, e o perfume que exala da derme é uma mistura de vícios, álcool e tabaco, sou um morto-vivo, um espectro de mim mesmo, fecho os olhos e grito em silêncio.
Existem nas profundezas de um deserto esquecido ações pelas quais se tem que pagar, e outras que estão por efetuar, existem altos e baixos, uma montanha-russa, e os olhos castanhos fixos no espelho enquanto sinto a glacial água tocar-me o rosto.
Visto-me então, as melhores vestes que um defunto pode usar, pego nas chaves e saio de casa, acendo um cigarro no passeio, enquanto retiro o telemóvel do bolso e leio as mensagens que nunca chegaram; coloco a máscara do sorriso, ergo a cabeça e caminho por entre todos os outros fantasmas.
Sou um carro em rota de colisão com um tronco.
Sei que me odeio, odeio o fedor a álcool que emana da derme, a chacina do corpo, uma vida que necessita estar em constante embriaguez, dormente, assim… evito pensar.
Serei mesmo o carro, ou será que sou o tronco?
Texto criado no ambito do desafio 52 semanas de 2022 | tema 43: algo que está a dar cabo de ti no momento
Sei que tenho sido intermitente neste teu espaço, Ana, mas gosto sempre de cá passar.
será este o terceiro abraço?
P.S. imagem encontrada na net