Câmaras de Tortura Estética
Agosto 30, 2023
Carlos Palmito
Alinhados lado a lado, estavam os observadores, os espetadores, os voyeurs, as dores, os apontadores e os marcadores, que a marcaram como gado a abater.
Na outra ponta, existiam aquecedores digitais, batons, bastões, secadores de cabelo, bases de mil cores… exceto as do arco-íris.
— Temos que subir as sobrancelhas, colocar sardas nesta cara lisa. Não chores menina, que debotas o eyeliner — grunhiam os porcos enquanto a observavam, nua, na sua cadeira de eletrocussão.
A tesoura cortava-lhe os fios de vida, os cabelos aloirados, outrora desalinhados como a pradaria. Tentavam os carrascos descobrir a maneira correta de lhe expurgar a alma.
A cada tesourada, era-lhe roubado um pedaço de si mesma. A cada passar de dedos banhados em suor e uma multiplicidade de gorduras que nem o olfato conseguia identificar, era-lhe removido um excerto de si. E ela chorava, e gritava, e berrava, no silêncio e quietude de si mesma.
— Agora, os seios, esses têm que ser elevados, dar mais volume, mais firmeza, que de coisas moles está o mundo farto. Os mamilos estão a apontar para o lado errado, e que auréolas são estas? Que nojeira é esta? — resmungavam eles, os júris da beleza inalcançável. — E esta cintura? Alguém tem que trabalhar nas gordurinhas aqui, que menina que queira ser apresentável, não pode andar nestes tratos.
Na banca existiam bisturis, aspiradores, sangue seco das vítimas anteriores, viciantes aos olhos dos… marcadores.
Enquanto por detrás dos seus óculos de cientistas tresloucados, os seres da beleza etérea, analisavam-na. Um pedaço de barro a moldar, carne para trabalhar, peças de lego nas mãos de uma criança cruel.
— O nariz parece uma batata — sibilou uma barata — partam os ossos, e moldem conforme o livro dos padrões.
— Os ombros estão demasiado largos — resmungou alguém pardo. — Que faremos, que faremos?
— Tudo tem tratamento, incluindo a cicatriz ali, abaixo da pélvis — disse o comandante das aberrações.
Ela era um nada, ali no centro de uma sala de mármore, sentindo os odores de éter, de álcool, de loucura, e da sua própria urina.
Sabia ser o último dia que se veria como ela mesma, dali, seria encaminhada para a sala das crianças educadas, para ser reeducada.
Robôs, todos somos escravizados para nos transformarmos em robôs.
— Que se inicie a dança — ordenou o mestre de cerimónias.
As câmaras apontaram para o meio.
No topo, nas suas casas, a comerem cheetos, pizzas e pilas, viviam os que resmungavam, presos nas suas banhas, banhados nos seus padrões sobre os quais não se regiam, que nem padres numa igreja romana, e babavam-se a observar o espetáculo.
— Por mais nove euros, pode ver a transmissão na íntegra — rosnavam as colunas. — E por apenas sessenta e nove euros por mês, durante o espetacular prazo de dez anos, pode vir ao programa e, ser moldado para a beleza eterna.
Pintura de René Magritte - Youth (1924)