Abutres e Hienas
Dezembro 28, 2023
Carlos Palmito
Abre a cortina, desvia o lençol,
anda dar um mergulho no sol.
A água é dura, a pedra é mole,
O sangue tresanda à tua prole.
Ergue-te, filha de ninguém,
O mar cavalga nas ondas do além
O sal transpira da derme de cem,
de mil, de milhares de aves sobre Belém.
São abutres, não vês? Abutres sobre as carcaças das hienas.
O Homem exige a tua presença, mãe. Exige, mesmo na sua morte.
Ignora-o, ignora-me, és cetim verde, deves honra apenas a ti.
Banha-te no sangue dos inocentes. Sentes pena? Eu não senti.
O homem impera a tua vida, mãe. Mostra-lhe o cadafalso da sua sorte.
Ergue-te, filha de ninguém, incendeia o farol,
Incendeia as terras, incendeia a pele, o anzol,
O peixe, a sereia, a seara, o elefante, o rouxinol.
Anda comigo, de mãos dadas, mergulharemos no sol.
Abre a cortina, desvia o lençol, seduz-me com os teus olhos negros,
Com o perfume inebriante da mentira tingida nas cores de dois cegos.
Vem ter comigo, desnuda, fornicaremos no inferno, nas cinzas mornas,
Seremos a espada a ser forjada no martelar constante em mil bigornas.
Somos hienas, somos abutres, somos a carniça que se repasta com os ossos dos Deuses.
Não vês?
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