Abismo da Perceção
Março 27, 2023
Carlos Palmito
O sol negro contrastava com os reflexos
brilhantes, transcendentais, pretos.
Existiam ajuntamentos de vacas decapitadas a sibilar nos coretos.
As flores agitavam-se nas igrejas, em orgias oníricas, com os dentes a rasgar as carnes, os sexos.
As florestas ardiam perpetuamente na luminária das algas.
Emitiam odores de aftershave, de esgotos e de corpos que se consumiam no oxigénio,
de acusações asfixiadas no uivar de um cachalote, no toque bruto e ingénuo.
E as rochas... Essas eram servidas em copos de nenúfares às fidalgas.
Nos jardins residiam mosquitos, aranhas, polícias que vendiam o corpo.
Residia sexo, basalto, lava congelada, lama incandescente.
Em todas as árvores cresciam bastões fálicos que murcharam, caíam e se tornavam semente.
Cavernas repletas de menstruados, de anomalias, de cortes epiléticos, do vivo, do morto.
Nas avenidas dançavam gotas empoeiradas de fluido vaginal.
Que reluzia no congelar térmico dos olhares por detrás de órbitas desérticas,
que cintilavam nas línguas carnudas, dedos viscosos, fossas sépticas.
No ejacular tardio das ameias reproduzidas num conto de Natal.
No horizonte voavam pinguins em debandada das fadas carnívoras.
Transpiravam dentes que explodiam nos sonhos adocicados por sal!
E todos berravam nos confins universais de um vendaval:
"As víboras, as víboras, as víboras, o doce, o sexo, as porcas, o retalhar, as víboras!"