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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

A Verdade Obscura da Floresta

Setembro 11, 2023

Carlos Palmito

800px-Caspar_David_Friedrich_-_Wölfe_im_Wald_vor_ 

O vento sussurrou segredos ancestrais pelas árvores antigas da floresta.

Caminhei para oeste, em direção ao declínio do sol, previamente anunciado pelas vibrantes cores que trespassaram a densa folhagem da fauna.

Acima de mim, os pássaros murmuravam palavras incompreensíveis, enquanto, sob as pedras e os musgos, os vermes comiam os cadáveres, cuja decomposição estava ocultada pelos odores das flores silvestres, roxas, como as bagas que envenenaram a inocente princesa do reino.

Hoje, ela dorme com as irmãs, com escorpiões, com cobras, com os traidores da realeza, sob uma mortalha de vegetação rasteira, e uma coroa de espinhos a adornar os seus cabelos negros, lembrando a escuridão que se abateu sobre o reino.

— Foi a mãe! — gritou o esquilo, com a boca atulhada de frutos secos.

— Qual mãe! — gemeu uma corça. — Diz antes, que foi o pai. Sempre a odiou. Como podem progenitores odiar as suas crias, monarcas execrarem suas filhas? Como ousam?

— Nem um, nem outro — berrou um abutre.

Abutres em florestas ancestrais, cinzas como a donzela da morte. O que faria este aqui?

— Foi o irmão, eu vi — continuou o necrófago alado. — E foi desprovido de intenção, foi por amor que a matou.

Quem pode assassinar por amor? Roubar o ânimo da vida, o exalar que faz brilhar as pupilas? Odeio esta tipologia de gente. Existem apenas para nos furtar a beleza, a vida, o oxigênio.

— E quem matou as suas irmãs? — inquiri, na minha alucinação, no meu diálogo com animais.

— Fazes a pergunta errada — cantou um sapo, no topo do seu reino, a mastigar uma mosca.

Desde quando mastigam os sapos?

— Como assim errada? — indaguei na minha ingenuidade, sentindo um torpor no braço que não existia.

— A correta será… — continuou o sapo a grasnar.

— Quem te matou a ti, regicida, filho de reis — completou a floresta em coro.

 

in "Sob a Coroa de Espinhos" - mais um a desenhar-se na minha cabeça, contudo, acho que tratarei este algures nas "Crónicas de Amans" um dia... que espero não demorar muito.

Para já, tenho ainda algum trabalho nas minhas "Criaturas", e mais umas coisas que estão a acontecer.

Um texto por dia, não é? Hoje deixo-vos um conto.

 

Pintura de Caspar David Friedrich - Wolves in the forest in front of a cave (1798-99)

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