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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

Entre o Carvalho e o Arco-Íris

Novembro 28, 2023

Carlos Palmito

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Na penumbra do desconhecido, onde sombras dançam como versos, inicio este poema.

A ponta cega da pena enche de tinta o carvalho sedento por histórias.

Na obscuridade da árvore do infinito sinto a tua derme incandescente contra a minha alma gélida; e os teus olhos cintilam, amor!

No topo, as cores do arco-íris chilreiam das gargantas humedecidas por sangue dos pintassilgos.

A dualidade entre nós é separada apenas por um frágil vidro, que se estilhaça a cada impulso selvático dos nossos corpos na lascívia de si mesmos.

O teu perfume é áspero, lembrando lixa, libertando aromas de amoras…

Porque demoras?

 

Imagem encontrada no FreePik

Pétalas Rasgadas: Um Ballet de Vazio e Eternidade

Novembro 27, 2023

Carlos Palmito

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Se te dessem uma rosa sem pétalas, o que verias?

Se te convidassem para as festas e romarias da aldeia, totalmente despidas de emoções e desejos, o que sentirias?

Imagina então a casa-de-banho, uma banheira a transbordar com uma água mais cristalina que a faca do açougueiro, escaldada por pedras incandescentes a tresandar a óleos afrodisíacos, e, no espelho embaciado, alguém tivesse escrito o teu nome. Qual seria o som narcisista que te tocaria o cérebro? Qual seria a textura das letras que formam aquilo que foi teu por um dia?

                                                         

A que cheira o esgar de dor do amar?

A que sabe o sal que escorre do limão?

Quem era ela? A menina do timbalão?

Quem era ele? O menino do pardo ar?

 

Sabes, ontem sentei-me no banco de jardim. Era de pedra, como o coração dos Deuses no Olimpo.

Chovia uma neve miudinha em formato de coroas de espinhos, a cinza celestial de uma fornalha que não se extingue.  

Adormeci, ali, ao som das harpas de um futuro desconhecido. Uma cobra emplumada sentou-se no meu ombro entoando hinos confusos de libertação, onde tu eras tanto a protagonista como a antagonista.

Conseguirás amar uma serpente?

Conseguirás amar um pesadelo?

Sabes, as estradas para a imortalidade são quase tão geladas quanto o vinho que o avô bebia ao jantar.

Pensei sentir saudades, mas apenas senti vazio. Será esse vácuo a minha interpretação fraudulenta do que é a melancolia?

Gostava de sentir algo, mas sinto somente um frio permanente.

Na pradaria, uma adolescente de cabelos loiros como o trigo arrancou as asas de todos os grilos, comeu-as, uma por uma, como se fossem cubos de açúcar numa valsa atemporal.

 

Ontem, a avó fez sopa.

 

E se te sussurrassem aos ouvidos as genealogias ascendentes de todas as pétalas brutalmente rasgadas da rosa existente no início do poema, onde as sepultarias?

 

 

Imagem do FreePik

A Solidão Serve-se em Xícaras de Chá

Novembro 24, 2023

Carlos Palmito

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— Como estás? — pergunta-me ela.

Eu imagino-lhe os olhos a brilharem de encontro aos meus, uma chávena fumegante de chocolate quente nas mãos, umas meias grossas, de lã, enfiadas nos pés, para combater o gelo que derreteu o lago onde os patos morrem de fome.

— Estou bem! — a resposta é sempre esta, por mais que as estrelas morram num fogo lento, e que o pote do arco-íris seja roubado e violentado, as palavras que seguem a questão, são eternamente aquelas.

Quase lhe consigo ver a deceção em todos os traços do rosto moreno da filha das terras quentes do Sul, agora, escondidas sob um manto de neve negra.

— Não, a sério — insiste. — Como estás? Namoradas? Projetos? A vida?

Olho para as minhas mãos, para o copo de chá a escaldar que me queima as pontas insensíveis dos dedos. Inspiro os seus vapores a saberem a canela e maçã.

Dizem que o olfato é o melhor amigo das memórias ocultas. O gatilho que me forço a pressionar, com o cano encostado à têmpora.

Na Jukebox, James Douglas Morrison declama mais um dos seus poemas.

Através da janela, vejo uma mãe a empurrar o carrinho de bebé em direção ao charco. Ele ri alegremente, na inocência de um céu estrelado.  

Como estou?

Continuo com dois gatos e um sofá; três edredões, um cobertor, e, de quando a quando, um lençol de linho.

Tenho uma garrafa de vinho que me olha de esguelha, pois tanta é a vez que a abandono na solidão fria do armário.

Tenho uma cama que sente a minha falta, manchada de pesadelos e agonias. Maculada pelos desejos infantis de uma vida melhor.

Tenho uma flor morta num vaso partido, e um chuveiro que não consegue limpar a minha alma.

Tenho um aspirador cheio de sonhos e projetos empoeirados.

A minha namorada é uma caneta sem tinta, e a amante uma tecla sem funções.

Tenho espelhos que refletem loucuras, e, no final, tenho os meus cadernos, cada um com uma história minha, uma versão sempre diferente de todas as outras.  

Como estou?

Volto a fixar-lhe os olhos castanhos. Os mais belos de todos. Poderiam ser azuis, verdes, roxos, negros como a pele que hoje envergo, poderiam ser pétalas em vez de íris… nela, seriam sempre os mais belos de todos.

— Estou bem, mesmo — faço uma pausa dramática, aproveitando para engolir um pouco do chá que me escalda o esófago. — Não te preocupes.

Mas, no fundo, sei que se preocupa.

Quem quero enganar?

Quem pretendo enganar?

Ela?

A pessoa que me consegue amar mais que eu próprio?

A única que me consegue ver?

Que se consegue deslumbrar nas cores dos absurdos tons monocromáticos de uma televisão antiga que é a minha alma?

— Está bem — ela beberica o seu chocolate. Lá fora os policias algemam a mãe. Os pássaros estão em silêncio e o salão congela nas chamas de uma lareira que tresanda a uma mistura de mentiras e lascas de madeira.

 

Imagem encontrada no Freepik

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