Balada dos Fantasmas Vivos
Novembro 26, 2023
Carlos Palmito
E de quem mais, e de quem mais?
E do sol, do sol, e das tuas sardas, doces, ao sol, e do sol e do sal!
E das tranças e das danças, e das ondas e das marés, e do vendaval.
E do mágico, e da assistente social cortada em duas no meio da serra.
E dos cadavéricos putos ranhosos oriundos do ventre da terra.
A quem sabes? Ao que sabes? O que sabes?
E de quem mais, e de quem mais?
Das cigarras a fumarem cigarros, dos cigarros a fumarem ganzas,
E das danças, das danças nascidas nas tuas tranças.
E da formiga e da mão amiga carcomida pela ferrugem.
E de quem mais, e de quem mais?
Das janelas embaciadas nos apartamentos cinzentos,
Das lareiras, nos montes e eiras, do churrasco de pimentos,
da água que canta canções no fundo dos cântaros.
E de quem mais, e de quem mais?
E dos teus olhos, brilhantes, distantes, a contemplarem o artificio da humanidade,
E do semblante e da tua pele, e da vaidade que se dissipa na idade,
E da relva onde repousamos em cada movimento pulmonar.
E de quem mais, e de quem mais?
E do perfume que emana dos teus pulsos,
da pulsação no teu pescoço,
que percorro, e corro, e escorro, e escarro, como um animal.
Será já Carnaval? Será apenas carnal?
Sempre sabes ao que sabes?
E de quem mais? E de quem mais?
De mais ninguém, a vida tornou-se um baile de fantasmas.
O ritmo cardíaco transformou-se num frenético espasmo muscular.
Lembras-te daquela garrafa de vinho que guardámos junto ao pomar?
Imagem tirada do FreePik