— Avô, conta-me uma história? — pedia o jovial pinheiro nas tonalidades resinosas.
O avô observou a plântula com curiosidade, através da sua casca dura.
Fechou os olhos já cansados, para refletir o que se foi, e o que perdura…
— E que história queres? — indagou ao seu neto de agulhas ásperas e cerosas.
— Quero que me fales de nós, dos pinheiros. Da nossa importância no mundo.
Na base do velho pinheiro, dormitava uma raposa com um dos olhos aberto,
Nos céus matinais planava uma águia, mais perto, existia uma aranha e um inseto.
— Pode ser. Vamos falar de nós, das nossas conquistas neste hemisfério vagabundo.
— Por onde começar? — a resina vermelho-amorronzado cintilava nos raios solares.
— Já sei. Olha para as minhas raízes — bem lá fundo, debaixo das agulhas, da terra.
O antigo broto, germinado de um pinhão que deambulou pelas colinas da serra
viu o que o velho pretendia, a vida frágil, mas fértil, de quem eles eram os seus lares.
Viu musgo, minhocas, uma família de ratos do campo, num manto de matéria
variada, orgânica, de onde mais vida iria brotar. Protegidos dos calores de verão,
num microclima único, onde cada ser é importante para o próximo, como uma canção.
As raízes entrelaçavam-se umas nas outras, transportando sangue através de uma artéria.
— Agora, pinheirinho, observa ali o teu primo junto ao rio. Observa os detalhes.
Uma vez mais, a criança obedeceu. O seu primo resinava em tonalidades âmbar,
as suas raízes estavam enterradas no rio, sentido a frescura de algo que iria para o mar.
Entre elas, habitavam peixes e pequenas plantas, acariciavam-lhe os entalhes.
— Assim é este mundo, o pinhal, nós. Mas há mais, pirralho, muito mais.
— Muito mais? — perguntou o jovem pinheiro. — Como assim? Não será demais?
Um coelho acordou nesse instante. A neblina subia em névoas abstratas e sensoriais.
Numa tenda próxima, dois campistas adormecidos sonhavam com odores de pinhais.
— A nós, à nossa família, vêm humanos. Procuram um paraíso de frescura aromática.
Alguma da resina do velho vertia sobre os musgos, ganhando uns saudosos tons esverdados.
— Das nossas madeiras criam artesanato, mobília, e, das nossas florestas, contos encantados.
Uma das agulhas do casca dura, desprendeu-se dos galhos, para cair de forma melodramática.
— As resinas, essas são trabalhadas também, e fazem tanto, meu neto.
Um pica-pau pousou num pinheiro próximo, que debicou em busca de insetos.
— Fazem cola, colares, vernizes, velas, adesivos. Os homens são muito seletos.
A raposa cor de fogo espreguiçou-se, observando o contador de histórias com afeto.
A porta da tenda abriu-se lentamente, dela saiu uma rapariga morena de calções azuis.
Um rouxinol cantou, melodiosamente, versos de amor, no seu pio que encanta gerações.
A vida é uma roda equilibrada que se adapta nas adversidades de todas as estações.
— Somos mais que simples pinheiros. Somos filhos da natureza, e é através dela que fluis.
— Que fluímos — corrigiu o pinheirito. — E que mais fazemos pelo mundo, avô?
— No mundo podemos ser barcos e bancos de namorados, livros e cartas de amor.
— E das nossas cascas? Não serão más? — perguntou o novato, sentindo um ardor.
— Porquê más? Por serem ásperas e escamosas? — Mais para norte, um esquilo saltou.
— Digo-te, meu fedelho, as nossas cascas, a tua ainda macia, a minha cheia de vitórias,
são usadas em muitas coisas, muitas mesmo. Desde decoração, medicina, tingimentos…
— Medicina? — o jovem estava pasmado, tentando absorver todos os ensinamentos.
— Sim — retorqui o velho de casca descolorada — Elas têm propriedades anti-inflamatórias.
— Quero saber mais — insistiu o pinheirinho, espirrando nesse mesmo instante.
— Mais? — se tivesse barbas, o velhote certamente as coçaria, em busca de inspiração.
— Sim, mais — teimou o pequenote. A águia foi embora, a raposa continuou com atenção.
— Das cascas fazem também cestas. Os arranjos florais, em muitas festas são uma constante.
A rapariga abraçou uma das árvores. Em tempos construíra ali um baloiço com o seu pai.
Ele ensinou-lhe muito sobre os pinheiros, sobre as pinhas, as agulhas as cascas e as resinas,
morrera no ano passado. Ela trazia as cinzas, para lançar entre as agulhas grossas e finas.
Para que ele repousasse no único local que algum dia amara. A urna abre-se, a alma sai.
O pinheiro ancião, com os seus cem anos, aceitou o espirito do homem. O que é de Gaia,
a Gaia retorna. O jovem, ficou a contemplar, com mais perguntas a surgirem,
mas sem interromper o ritual. A raposa sentou-se na base a ver as cinzas partirem.
Nos céus, um bando de pardais chilrou cânticos esplendorosos, no mundo onde o sol raia.
Se ao menos soubesses a saudade,
Se soubesses que o mundo gira, gira…
e gira, nas entoações suaves de uma lira.
Se não fosse apenas céu e responsabilidade.
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