Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

Um menino chamado João

Janeiro 31, 2023

Carlos Palmito

ptat015.jpg 

— João, lavaste os dentes?

— Sim mãe, queres cheirar? — perguntou a criança, e exalou um bafo mentolado que foi captada pelo nariz de Matilde.

— Então, cama contigo. — respondeu a mãe enquanto apontava para o quarto.

João, nos seus sete anos, colocou-se em bicos de pés, fechou a torneira do lavatório e correu para o quarto, saltando para cima da cama.

Matilde foi atrás dele, meteu-o debaixo das mantas, afagou-lhe a cabeça, beijando-o carinhosamente na testa.

— Bons sonhos João.

— Mãe?

— Sim, amor?

— Porque me chamo João?

Ela coçou o cocuruto, refletiu um pouco, pois foi apanhada de surpresa pela pergunta.

— Foi por causa da avó Maria, ela é que escolheu o nome para ti.

— A avó velhinha?

— Sim, essa mesma. — retorquiu Matilde. — Agora dorme macaquinho.

— Mas porquê João?

— Já vi que queres conversa. — olhou para o relógio de pulso, eram nove e meia da noite, amanhã era sábado, a escola estava fechada, por isso não havia problema dele se deitar um pouco mais tarde. — Então a mãe vai-te contar uma história.

— Eu não quero uma história, quero saber porque me chamo João.

— Mas a história é sobre isso. — voltou Matilde entre uma gargalhada. — Agora cala-te e ouve, senão a mãe desliga a luz para tu dormires.

João sentou-se na cama, apoiou as costas na almofada e colocou as mãos à frente da boca como que a dizer que não falava mais.

— Sabes, no dia em que nasceste, caiu um raio ali, no para-raios. — ela olhou para a criança, que estava de olhos esbugalhados a ouvir. — Além disso, nesse dia, os sinos da igreja avariaram, estiveram a tocar por quase quatro horas, ninguém os conseguia desligar, isso fez a avó lembrar-se de uma pessoa que quando nasceu, os sinos também tocaram por muitas horas, existe até quem diga que nesse mesmo dia o céu mandou fogo para a casa. Para ti, mandou um raio.

— A sério, mamã? Quem é essa pessoa? A casa ardeu com o… — subitamente, lembrando-se da ordem de silêncio, tapou a boca, e com o olhar implorou à mãe por mais.

— Não! Não! A casa não ardeu, foi um sinal de Deus a dizer que tinha nascido uma pessoa bondosa. O nome dele era João Cidade, nasceu nesta terra em mil quatrocentos e noventa e cinco, por isso a avó quis que tu te chamasses João. E pronto, é isto, agora dorme.

— Uau, é mais velho que a avó velhinha! — retrucou o miúdo enquanto tentava fazer contas de cabeça para saber a idade de João Cidade. — fala-me mais dele mamã, ele era mesmo bom?

Matilde sentou-se na cama, já sabia que ia ter que contar mais. Pensou um pouco para ver do que se lembrava do patrono de Montemor, olhou para o filho e sorriu.

— Sim filhote, ele foi realmente bom, tão bondoso que em mil seiscentos e noventa o tornaram santo.

— Oh, santo? Mas o que fez ele, conta-me, mamã!

Ela raciocinou um pouco, perante a insistência do seu filho, decidindo-se a contar-lhe um pouco mais sobre João Cidade antes de o meter a dormir.

— Ele fez muita coisa, a mãe conta, mas depois promete que vais dormir, está bem?

João fez uma cruz com os dedos, beijando-os.

— Prometo, mamã.

— Então é assim, esse João de que te falo, foi-se embora de Montemor quando tinha apenas oito anos, foi lá fora, em Espanha, que ele iniciou as suas coisas. Foi soldado, ajudou a construir umas muralhas muito grandes em Ceuta, — desviou o olhar para o

filho à espera que ele a interrompesse, mas como tal não sucedeu, continuou. — vendeu livros…

Nesta parte os olhos de Matilde brilharam, ela lembrou-se de uma situação na venda ambulante.

— Uma vez, enquanto vendia livros, encontrou um menino pobre, sem sapatos. Levou-o aos ombros. Ao pé de uma fonte, o menino mostrou-lhe uma romã aberta com uma cruz por cima, e disse-lhe que Granada seria a sua cruz.

Fez uma pausa, observando o rosto do pequeno, que se estava a deleitar com a história. Continuou, ocultando algumas partes que considerava violentas demais para a tenra idade do filho.

— E assim, João mudou-se para Granada. Ele esteve num hospital, — olhou para o filho, agradecida por ele não ter feito perguntas sobre o hospital. — depois de sair começou a ajudar os pobres e necessitados como podia, que o começaram a ajudar a ele quando já estavam melhores. Dessa forma nasceu o primeiro hospital dele.

João bocejou, o sono estava a começar a apoderar-se da criança, Matilde apressou então o resto, encobrindo muito do que poderia dizer.

Falou-lhe do incendio no Hospital Real de Granada, onde São João de Deus entrou para salvar os doentes das chamas, saindo ileso.

Falou-lhe da tentativa de salvamento durante as enchentes, mas não lhe contou o resultado, isto seriam coisas que o filho teria que ler mais tarde.

No final deu-lhe um novo beijo, ele já tinha adormecido, desligou a luz, saiu e começou a fechar a porta.

— Mãe?

— Sim, filho?

— Bons sonhos.

— Para ti também, amor.

Matilde voltou para os seus afazeres, enquanto João, sonhava que se tinha unido ao Santo padroeiro dos hospitais, doentes e enfermeiros, onde juntos entravam em edifícios em chamas salvando todo o mundo.

CRIATURAS NOTÍVAGA(S) Nº 30 — 25/01/2023

Janeiro 25, 2023

Carlos Palmito

bala.jpeg 

Bom dia!
Os pássaros cantam em terras geladas, o meu Alentejo está congelado, o tutano do interior de Portugal bate o dente, as mantas e cobertas nas camas alheias estão geladas para quem dorme só, as lareiras apagadas, e as flores recolhidas no universo.

E… bem, pelo título adivinharam, mais um capítulo das criaturas, quantos mais virão? Será que o título ainda faz sentido?

Desta vez, ela traz o número trinta, “Ilusões ou Realidades”, que segue já ali no link em baixo.

CRIATURAS NOTÍVAGA(S) Nº 30 — Ilusões ou Realidades

E, pois, eu sei… a voz, o podcast, o audiobook, sim, ele está ali em baixo, é só clicarem no link, mas reafirmo o que tenho sempre dito… leiam também, é sempre diferente a leitura, ela puxa mais pela imaginação que o áudio.

Podcast Criaturas Notívagas – nº 30

A saga continua...

O caos se instala na ponte. Tiros são disparados para todos os lados. Alguns são atingidos pelos projéteis que penetram rapidamente a derme, rasgando ossos, ferindo vidas. Borboletas negras rasgam o ar como morcegos famintos.

A velha ainda comanda os seus paladinos, mesmo que a visão falhe por vezes. Jéssica, Marcos, Luísa, Samuel: quem sobreviverá e quem se tornará uma lembrança no passado? Só os deuses sabem, os outros especulam...

Leiam e comentem. Se não tiver tempo de ler, escute no Spotify.

 

Um excerto do capítulo escolhido por mim:

Quão fino é o véu entre a realidade e a construção poética na criação de heróis e paladinos?

Quantos fatos cabem no mesmo cabide universal?

Quantos bebés são necessários sacrificar em honra a virgens de bordéis?

O que podem os guerreiros santos fazer, quando no caminho da redenção, apenas encontram morangos apodrecidos e cadáveres a descansarem na sombra?

 

E então, é chegada a hora, tenho fome, quero um bife com quatro dedos de altura.

Leiam, comentem, divirtam-se.

A todos, um abraço palmitiano, apertado, para matar o frio.

P.S. Imagem encontrada na net

Devaneio

Janeiro 19, 2023

Carlos Palmito

 

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Sinto frio... permanente!

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Tenho fome…persistente!

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Que glaciares acompanhavam o teu corpo incandescente... quando te despi?

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Que sabores emanavam dos teus olhos… quando adormeci?

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Que amarguras e cansaços residiam nos teus braços… quando me despedi?

Se vi, esqueci,

Se não vi, não esqueci.

Que especiarias subsistiam nos teus cabelos… quando parti?

Se vi esqueci,

Se não vi, não senti.

Onde estava o amor quando nos beijámos… mentalmente?

Se vi, esqueci,

Se esqueci, não vi,

Sinto-me ausente... doente, permanente mente.

 

Se vi, esqueci,

Se não vi, não mereci.

Mensagens

Pág. 1/2

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D