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Gritos mudos no silêncio das palavras!

Aqui toda a palavra grita em silêncio, sozinha na imensidão de todas as outras deixa-se ir... Adjetiva-me então

Histórias em Preto e Sangue: O Preço de uma Alma

Março 25, 2025

Carlos Palmito

redundancias e brilhos.jpg

 

Eu gosto, de vez em quando, e cada vez com mais frequência, de cair na... chamemos-lhe... decadência.

Cair... na... decadência.

Será isto uma redundância? Possivelmente.

Afinal, tudo é redundante no relógio do temporal que se avizinha.

Somos ciclos aprisionados nesses ponteiros. Repetições. Erros mastigados e cuspidos.

Pó que se ergue apenas para se enterrar.

Chama-lhe o que quiseres, contudo, jamais te esqueças que as frequências e as decadências dançam no mesmo salão.

Apaixonadas pelo nada. Pelo vazio tangível.

Não o intangível, não as paralelas invisíveis.

Mas o que se toca. O que se beija. O que se abraça até os até sobrar apenas uma nova volta no carrossel.

Não sabias?

Devias.

Quantas vezes tocaste o zero absoluto?

Quantas vezes o olhaste nos olhos congelados e desejaste morrer naquele momento?

Naquela foto de polaroid?

Quantas vezes?

Quantas redundâncias?

O ser humano é uma quimera, sabias?

Um ser constituído por água, carbono e ódio a segurar a pele aos ossos.

Autodestruição. A aniquilação imparcial das suas moléculas.

E porquê?

Pasma-te.

Por um brilho.

Um brilho que lhe venderam como valioso.

Ouro apodrecido que nem dá para mastigar.

Diamantes corrompidos que não servem para beber.

Vidro mastigado que apenas serve para cortar os pulsos numa banheira de água quente.

Serpentinas a brilharem no infinito, pregando histórias de estrelas falsificadas, enfiadas entre a densidade da alma.

Porque não ser opaco?

Porquê a necessidade do brilho?

Sabes, as coisas mais belas que vi até hoje foram um brilho, não um brilho duradouro, mas um fugaz.

Ambas em ficção.

Numa, desenhada por John Buscema, Conan o Cimério despediu-se de Bêlit, a sua amante, amada, mulher, rainha, num barco em chamas que se afundou ao largo. Dos funerais mais dolorosos que li na ficção.

O barco dela a brilhar na vastidão azul do vazio incontornável, e o homem com a espada enterrada no areal da costa, tendo plena consciência que nunca mais seria o mesmo. Bêlit, a mulher com a qual incendiou toda a Stygia. Bêlit, a mulher que o levou para lá dos portões de Kush. Bêlit… e Conan.

No outro, do qual não sei quem desenhou, Ekko despediu-se de Jinx, do nome dela escrito num pedacinho de papel, ao qual puxou fogo e atirou ao vento.

Ekko, o único que viu a outra Jinx.

Aquela que não foi levada pela dor até à entrada da loucura permanente.

Ekko… e Jinx…

Talvez necessitemos do brilho.

Mas não temos que nos vender por ele.

Afinal… qual é o preço de uma alma?

Dois raios e um funeral

Fevereiro 26, 2025

Carlos Palmito

recemcadaver.jpg

O dia era soalheiro, com algumas nuvens, poucas, a manchar o céu.
Na entrada lateral da igreja, estava uma carrinha da funerária com várias latas atadas a um cordel na sua traseira e um cartaz escrito numa caligrafia infantil, em pinceladas toscas, com as palavras “Recém cadáver” colado ao vidro.
Os bancos de madeira preenchiam todo o jardim, onde várias pessoas cavaqueavam animadamente e bebericavam vinho e cerveja.
Mais ao fundo, vários grelhadores a carvão eram vigiados por alguns homens, responsáveis pelos churrascos.
As crianças corriam em todas as direções, a jogar à apanhada ou às escondidas, e algumas até mesmo a coisas mais antiquadas, como o jogo do pião.
Junto à porta da igreja, Gui e Rick, dois amigos de infância, fumavam um cigarro, enquanto esperavam pelo padre.
— E como foi que aconteceu? — perguntou Rick.
Gui franziu a testa, tentando reviver o momento exato. Repentinamente, os seus olhos azul-mar brilharam, e ele soltou uma gargalhada que ecoou por toda a igreja.
— Foi atingido por um raio.
— Um raio?
— Sim. Espera… não! Teimoso como era, foram precisos dois. Raios partam o homem pá! — e continuava a rir, até lhe descerem lágrimas pelo rosto e ficar quase sem ar. — A sério! Ainda dizem que um raio nunca cai duas vezes no mesmo sítio.
— Mas o que estava ele a fazer agarrado ao para-raios?
— Ora, com a tosga que tinha, só podia estar a tentar recarregar as baterias.
Os dois tentaram conter-se, mas em vão. Em segundos, soltaram uma gargalhada estridente, abafando o som da música, que nesse momento era algo da banda sonora da “Vida de Brian”.
— Não funcionou. Descarregou-se por completo.
— Não acho que fosse isso. Pelo que percebi, estava a tentar arranjar lume para acender o cigarro — interrompeu Filipa, a irmã mais nova de Gui. — Ou não te lembras que o pai estava sempre a perder os isqueiros?
Os rapazes olharam para ela com os olhos mareados pelas lágrimas de tanto rir. Suspenderam um pouco as gargalhadas para recuperar fôlego, coisa pouca, porque um momento depois já estavam a rir que nem perdidos.
— O senhor Manel foi abençoado, isso é uma certeza — Rick deu um abraço vigoroso ao filho do morto, e levantou Filipa do chão numa pirueta. — O melhor evento a que fui convidado desde o segundo casamento da minha mãe.
— Obrigado, Rick — conseguiu Gui dizer num balbucio entrecortado por gargalhadas. — Vá, vai lá, aproveita a festa. Tens ali bastante vinho, bebida branca e até um pouco de erva, que sei que gostas dela.
— Onde? — inquiriu o amigo, vasculhando os arredores com o seu olhar perspicaz.
— No caixão, claro... Onde mais seria? Porra, até parece que nunca estiveste num funeral.
Rick afastou-se, dirigindo-se ao caixão. No seu interior, alinhados com uma minúcia absurda, como se estivessem nas prateleiras de uma taberna, estavam copos de barro e garrafões de vinho. Pegou num dos copos, observando atentamente a prima do Manel, que se mexia ao som da música, com o vestido justo a moldar-lhe cada curva. Rick sorriu e encheu o copo.
Nesse momento, parou um carro na entrada, de onde desceu o padre envergando uns calções de praia e uma camisa havaiana.
Dirigiu-se para a igreja em passadas largas, com um sorriso que lhe inundava as faces rosadas.
Filipa desviou-se para o lado, para o deixar passar. Gui, por sua vez, piscou o olho à irmã.
— O seu bilhete, meu caro? — perguntou num tom de voz o mais formal que conseguiu.
O pároco Pires olhou para o rapaz meio confuso com a pergunta.
— Qual bilhete?
— O que lhe dá direito a dois gins e um porto — aí, Filipa não aguentou, e desatou a rir a bandeiras pregadas, seguida pelo seu irmão e pelo padre.
— Vê-se mesmo de quem são filhos — conseguiu ele articular.
— Quem sai aos seus não degenera, não é, senhor prior? — satirizou ela.
Ainda a rir, o padre dirigiu-se ao caixão. Tirou uma mortalha das presilhas laterais, e uma mistura de tabaco com erva da caixinha ao lado.
Encheu um copo com vinho, e encostou-se ao pilar, observando a festa, enquanto terminava de enrolar a ganza.
Rick olhou-o de alto a baixo.
— Não vai pregar o sermão, senhor Pires?
— Achas que deva?
— Claro que sim, afinal isto é um funeral, não? — indagou com um sorriso mordaz.
O padre ergueu o cálice e clareou a garganta.
— Meus amigos — ao fundo, o DJ convidado baixou o volume da música, que nesse momento era “Paint It Black”, para que todos pudessem ouvir o padre. — Estamos aqui hoje, todos reunidos num momento de celebração. Manel, eletricista em horas vagas, festivo a tempo inteiro, foi desta para melhor.
Todos os olhares estavam fixos no padre, que continuava a discursar.
— Aqui nesta pequena aldeia, todos o conheciam. Afável, simpático, cheio de vida, sempre elétrico — aproveitou a pausa para dar um gole no vinho. — Relembro alguns momentos dele, como aquele em que o apanhei a surripiar hóstias, que eram para acompanhar com o toucinho na tasca do Chico, ou aquele em que tentou casar com uma boneca insuflável. Na realidade — apontou para uma senhora de vestido vermelho com bolas negras, e um laçarote à hipster a enfeitar-lhe os cabelos ruivos — ia casar com a Madalena, não era?
Madalena fez uma leve vénia com o vestido, e lançou uma gargalhada, lembrando o momento. Ela escondida atrás do altar, e o Manel a casar com uma boneca comprada numa sex-shop. O padrinho era o Chico, que ia vestido apenas com uma gravata.
— Portanto, resta-nos apenas celebrar, já que é este o nosso momento. Aproveito para lembrar todos os presentes que, quem derramar uma lágrima de tristeza que seja, vai pagar o catering… e cantar a noite inteira no karaoke que estão a montar lá fora — ergueu o cálice, que verteu algumas gotas tintas pelo seu braço abaixo. — A ti Manel.
No altar, foram disparados dois canhões cheios de confettis e serpentinas. Das colunas de som começou a ser elevado gradualmente o som da música. “Thunderstruck”.
A cortina subiu revelando o defunto Manel, sentado, com um copo de tinto numa mão, um pedaço de pão na outra, óculos de sol colocados e, ao canto da boca, um cigarro. Ninguém sabia como é que os tipos da funerária conseguiram fixar aquele cigarro. Talvez cola. O certo, é que ele estava lá.

 

Requiem for a Dying Thunder

Fevereiro 05, 2025

Carlos Palmito

 

Who the fuck are we?
May I say I love you?
May I say I care for you?
What the fuck are we?
Trash in a bin?
Why are we here... still?
How can we allow it?
Why?
In the wind, who are we?
A feather? A stone? A cold?
A napkin under the taker?
You know...
I did...
Really...
Loved you.
Did you know what love was?
Just whisper to me...
This night.
One night.
Forever night...
Love me...
And then
I vanish into thin air.
I can't die, nor cry, here... in our joy!
Did you know I loved you more than ice on a summer spring?
The end of everything?
What was my everything... if you were not there?
Love me... And, Queen of me, I will love you twice more than a thunder.
Be my destruction, and I will kill every god in my fucking way.
Be my love, and I will be a king.
Just love me, almost as much as I hate myself!
But... love me, and I will find who I should be and give it to you.
I am Death... and you are...
Salvation.
Save me... Please.
Or just let me...
fall!

 

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